Segundo o Dr. Glauco Diniz Duarte, o famoso inventor Edwin Land afirmou: “Não precisamos de novas ideias, mas precisamos parar de ter ideias antigas.” Ele parecia estar falando que as soluções estão justo além da nossa antiga maneira de pensar.
Cidades, estados e países em todo o mundo estão se comprometendo com economias baseadas em energia limpa de grande escala – até mesmo 100% de energia renovável. Só no estado de Nova Iorque, 4 emendas diferentes apresentam metas de 50% a 100% de fontes renováveis até 2040 ou antes.
Realisticamente, apenas duas fontes de energia renovável são grandes o suficiente para atender a esses objetivos de alta penetração renovável no suprimento de energia: solar (de longe) e eólica.
Ambas, no entanto, são fontes intermitentes, sua geração final de energia depende tanto do clima quanto de ciclos diários e sazonais. Mas estas fontes precisam ser “firmes” – ou seja, capazes de suprir energia de acordo com a demanda – para conseguirem substituir os recursos fósseis. Com base em nossa pesquisa, defendemos que uma transição energética firme é não apenas possível, mas também economicamente viável, se pararmos de ter ideias antigas.
Uma ideia arraigada, e muito prevalente – provavelmente resultante dos historicamente altos preços da energia renovável – diz que toda energia das fontes renováveis deve ser vendida assim que gerada. A ideia de descartar produções disponíveis das fontes solar ou eólica é um anátema imposto pelos produtores de energia quando a produção destas fontes excedia o que a rede era capaz de suportar.
Esse raciocínio antigo ignora uma nova proposição fundamental: superdimensionar e proativamente limitar a produção de energia eólica e solar. Embora contraintuitivo, um estudo conduzido por nós e nossos colegas demonstra que esses passos são cruciais para um caminho mais barato até uma rede elétrica largamente alimentada pelas energias solar e eólica.
Argumentando contra o armazenamento de energia
A lógica por trás da superoferta de solar e eólica é bem simples: o armazenamento de energia é o ingrediente essencial necessário para se cobrir a intermitência energética quando o sol não brilha ou o vento não sopra. Essa intermitência inclui períodos durante o dia, tais como horas de pico de demandas diurnas e noturnas, e, mais importante ainda, intervalos mais longos, de muitos dias, ou sazonais, com baixa quantidade de insolação e condições de pouco vento. Num futuro renovável, o operador da rede dependerá eventualmente de reservatórios de usinas hidrelétricas reversíveis ou, para períodos curtos, de baterias.
O armazenamento tem barateado, mas, mesmo assumindo as projeções de custo de longo prazo mais otimistas, nosso estudo concluiu que utilizar apenas o armazenamento para tornar firmes as energias eólica ou solar continuarão financeiramente inviável em função das intermitências de vários dias e sazonais.
As fontes eólicas e solar estão ficando mais baratas também, especialmente a solar, tornando o superdimensionamento cada vez mais possível financeiramente. Mesmo quando a produção de geradores eólicos e solares seja essencialmente descartada, ou “limitada”, e não disponibilizada para a rede.
O superdimensionamento reduz os intervalos de produção porque mais produção de energia fica disponível durante os períodos de baixa disponibilidade solar e eólica. Superdimensionar também reduz os requisitos de armazenamento.
Obtendo energia firme via supercapacidade
Atualmente, a regulação da geração elétrica via solar e eólica nos EUA favorece a maximização da produção durante todo o tempo. As empresas que operam essas instalações querem vender toda a sua produção ao preço mais alto, portanto a limitação da produção é vista como perda de receita.
O raciocínio operacional antigo inibe a transição para fontes solares e eólicas firmes, baseadas na demanda, com toda a produção utilizada apenas quando disponível. Essa abordagem também mantém a energia renovável à margem.
Como uma rede com excesso de fontes solares e eólicas funcionaria na prática?
Digamos que o operador da rede elétrica necessite de X megawatts-hora/dia para atender à demanda. Pela regulação atual, as grandes usinas solares podem atender a essa demanda apenas nos dias de mais alta produção, como nos dias muito claros do verão. Nos demais dias, a intermitência da produção é atendida pelo armazenamento.
Por outro lado, quando a fonte solar é superdimensionada, o gerador solar pode atender à demanda de X MWh/dia por mais dias durante o ano, com menos intermitência – portanto, precisa-se de menos dias de energia armazenada para cobrir a intermitência.
Uma vez tornadas firme por meio de uma combinação de superoferta e armazenamento, fontes renováveis de energia tornam-se efetivamente disponíveis – capazes de suprir energia quando necessário – e funcionalmente equivalentes às plantas energéticas tradicionais. Dessa forma, as renováveis podem substituir esses geradores sem maiores reengenharias de rede.
Nosso grupo modelou uma solução solar de grande porte e superdimensionada para o não particularmente ensolarado estado de Minnesota (EUA). O objetivo era determinar a combinação mais barata de abastecida por solar, eólica e o armazenamento necessário para prover serviços de energia por 24 horas, 365 dias por ano.
O estudo demonstrou que superar as naturais intermitências solares e eólicas é possível a custos abaixo dos atuais da rede (conhecidos como “paridade de rede”) com o superdimensionamento das fontes solares e eólicas e a adoção de uma estratégia operacional de rede que permita de 20% a 40% de geração em excesso de energia.
O armazenamento de energia é também utilizado em nosso modelo, mas a economia direta mais importante resulta da troca da cara energia armazenada pelo excesso de geração de energia passível de ser limitada.
Uma boa pergunta é: qual seria a área necessária para o suprimento total de uma planta solar fotovoltaica superdimensionada? Para Minnesota, em um cenário extremo de 100% de geração fotovoltaica, assumindo o superdimensionamento a um fator dois – ou seja, dobrando a necessidade de solar para atender a demanda corrente – essa área somaria 700 km2, assumindo o uso painéis solares com a mais moderna eficiência possível de 20%. Essa área representa menos de 1% das áreas cultivadas do estado e metade do espaço de alta e média densidades populacionais.
O operador da rede pode se beneficiar ao gerenciar fontes eólicas e solares de modo regional, pois os períodos de alta produção destas fontes podem complementar um ao outro. Nos EUA, ventos de inverno, por exemplo, são frequentemente mais fortes à noite, ao passo que a produção solar é mais alta nos meses de verão.
Ajustando o gerenciamento de uma rede com renováveis em grande escala
Além do superdimensionamento, da limitação e da otimização do armazenamento, várias práticas operacionais e de planejamento, algumas das quais já utilizadas, podem aumentar ainda mais o valor e a performance de uma rede com grande participação solar no seu abastecimento e o estímulo à sua operação com interrupções mínimas.
Elas incluem:
– Explorar a complementariedade da performance e os perfis intermitentes de operação das fontes solar e eólica. Na maior parte das localidades, eólicas e solares têm perfis complementares de produção diurna e sazonal – ventos mais fortes à noite e no inverno, fotovoltaica mais alta durante o dia no verão.
– Gerenciar a demanda – a prática de reduzir o uso de energia in loco nos clientes de eletricidade – de modo a minimizar os suprimentos e a intermitência de demanda.
– Ampliar a autoridade do operador de rede sobre o gerenciamento da energia renovável existente e em produção, de tal forma que as decisões acerca de quando limitar a produção e quanto armazenar sejam tomadas regionalmente para minimizar intermitência de suprimento e demanda.
A ação de maximizar a produção de energia renovável evitando a limitação fazia sentido quando a geração solar intermitente era extremamente cara, e soluções firmes eram ainda mais caras. Entretanto, barateamentos recentes e previstos em instalações solares, o gerenciamento de rede e o preço de armazenamento estão transformando os níveis ótimos de implantação de soluções, a começar pelo superdimensionamento solar.